O ato de empreender cresceu vertiginosamente na última década no Brasil. De acordo com a pesquisa Global Entrepreneurship Monitor (GEM) de 2019, o país atingiu 23,3% de taxa de empreendedorismo inicial, considerada a maior marca da série histórica que teve início em 2002. Ao todo, 38,7% da população adulta é composta por empreendedores. Esse indicador foi puxado, em grande parte, pelo empreendedorismo feminino, que em 2019, representava 48,7% do mercado empreendedor brasileiro, com 25,8 milhões de mulheres comandando novos negócios.
Nesse cenário podemos enxergar a versatilidade das empreendedoras brasileiras que vai desde produção de bolos e salgados, costuras e artesanato até startups nas mais diversas áreas de atuação. Além de moverem a economia, gerar empregos, cada um desses empreendimentos significam um mundo com mais representatividade, igualdade de gênero e, em muitos casos, liberdade e autonomia para milhões de mulheres.
Com a pandemia, essa tendência sofreu um revés no ano passado. O relatório Global Entrepreneurship Monitor (GEM) de 2020 mostrou uma queda de 20% no total de empreendedores e 46% no total de empreendedores estabelecidos, que são aqueles a frente de um negócio consolidado, que pagam aos seus proprietários alguma remuneração, sob a forma de salário, pró-labore ou outra forma, por um período superior a 42 meses. Nesse cenário, as mulheres estão entre as que sofreram mais impacto, com uma queda de 62% na taxa dos empreendedores estabelecidos.
Embora o aumento da participação das mulheres no empreendedorismo nos últimos anos deva ser celebrado, muitas vezes as condições que levam uma mulher a empreender não são as ideias. Muitas delas começam a empreender devido ao aumento do desemprego e, especificamente a partir da pandemia, da escassez provocada pela diminuição da renda das famílias. Nesse contexto, o empreendedorismo que cresce é o empreendedorismo por necessidade. Ainda de acordo com a pesquisa GEM, 50,4% dos empreendedores iniciais empreendem por necessidade e 82% declaram ser motivados por “Ganhar a vida porque os empregos são escassos”.
Apesar dos poucos números regionalizados disponíveis, o empreendedorismo feminino no Nordeste se destaca. De acordo com levantamento da Serasa Experian em 2017, as mulheres nordestinas representam 15,9% dos negócios liderados por mulheres no Brasil. Esses dados e o contexto social e econômico do país reforçam a importância de políticas e programas (públicos e/ou privados) voltados ao empreendedorismo feminino, para que cada vez mais mulheres tenham a oportunidade de desenvolver suas carreiras e negócios de forma adequada, inspirando e ajudando outras mulheres. Mas com tantas realidades distintas na hora de empreender, quais são os principais pontos para desenvolver iniciativas realmente efetivas para mulheres empreendedoras?
Sim! Todas as mulheres que assim desejarem podem empreender. No entanto, isso não quer dizer que todas mulheres devem empreender. Abrir o próprio negócio, de fato, pode ser uma alternativa para trazer independência e autonomia. Mas o ato de empreender não é igual para todas e não pode ser tratado como a salvação para todos os problemas. Cada contexto possui as suas particularidades.
Diferente da narrativa amplamente difundida por algumas pessoas, o sucesso de um empreendimento não depende apenas do esforço individual de cada um, embora o nível de empenho da empreendedora possa sim fazer muita diferença em seu sucesso. Fatores como renda, acesso a qualificação, pessoas, mercados e oportunidades, podem influenciar muito o desenvolvimento de um negócio.
Compreender o seu contexto e os seus objetivos é muito importante para desenvolver uma estratégia realista e efetiva, assim como para evitar danos à autoestima das empreendedoras que começam a sua jornada em contextos de vulnerabilidade, que são a grande maioria. A jornada empreendedora possui muitos altos e baixos. Passar por momentos desafiadores é normal e não se deve duvidar de suas capacidades ou deixar a sua autoestima ser afetada.
Isso também não quer dizer que o sucesso ou fracasso de uma empreendedora seja totalmente dependente de fatores externos. Obviamente, buscar qualificação e constante aprimoramento são fundamentais. Mas ter consciência desses diversos fatores pode fazer toda a diferença para obter sucesso.
Como apontado nas pesquisas da GEN, em contextos de desemprego e crise, as mulheres são as primeiras a recorrerem ao empreendedorismo. Os motivos para isso podem variar, mas passam por uma participação maior de empreendedoras por necessidade, onde parte das mulheres busca o empreendedorismo como um bico em momentos de piora da renda familiar. Algumas abandonam posteriormente a atividade empreendedora quando há uma melhora da renda familiar.
Nesse contexto, é importante buscar apoio para se qualificar com habilidades que sirvam tanto para desenvolver o seu negócio, quanto para desenvolver a sua carreira caso decida voltar para o mercado de trabalho. Há diversas organizações que desenvolvem programas e projetos para apoiar mulheres empreendedoras. Um exemplo de estímulo ao empreendedorismo feminino e qualificação de mulheres é a Rede Mulher Empreendedora. A primeira e maior rede de apoio a empreendedoras do Brasil, nasceu em 2010, durante o “Programa 10 mil Mulheres da FGV”, quando a empreendedora social Ana Fontes teve a ideia de criar um blog sobre os medos, as dúvidas e as dificuldades do empreendedorismo feminino. Desde então, a RME já impactou mais de 750 mil pessoas.
Em 2017, a RME ampliou seus objetivos e surgiu o Instituto Rede Mulher Empreendedora que trabalha focado na capacitação de mulheres em situação de vulnerabilidade. Ambas iniciativas são signatárias dos princípios da ONU Mulheres e têm como principais objetivos fomentar o protagonismo feminino no empreendedorismo, auxiliar quem quer empreender e quem quer se inserir no mercado de trabalho, por meio de fóruns, mentorias, um programa de aceleração, cursos e a conexão entre negócios de mulheres com grandes empresas.
Os programas da IRME já apoiaram milhares de mulheres no Brasil. Um exemplo de empreendedora apoiada é Kalypsa Brito, de Salvador (BA). Ela é coordenadora pedagógica e escreve livros infantis afrocentrados. Com um bom produto em mãos, Kalypsa estava com dificuldades para estruturar a sua empresa e conseguir alavancar as vendas de seus livros. Sua empresa não tinha marca, por exemplo. Com o curso, ela percebeu a importância de construir a sua marca. Após participar das formações do Instituto Rede Mulher Empreendedora, Kalypsa transformou o seu negócio. “A experiência foi transformadora! Tenho aprendido coisas que não conhecia”, afirmou a empreendedora.
Ela se considera “analógica” e o curso também a ajudou a se posicionar no mundo digital. Com conhecimentos práticos, Kalypsa ajustou redes sociais, organizou seu Linktree e abriu um canal de vendas no Whatsapp que já resultou em novos clientes. “Nunca imaginei que poderia ter mentorias tão fantásticas. Estou em êxtase. Tenho trabalhado bastante nesta transição para o digital. Ainda precisam de muitas coisas, mas já tenho encomendas!”, comemora a empreendedora. Ela também formalizou o negócio. Todo esse aprendizado ela compartilha com as demais colegas do grupo.
Uma das principais iniciativas da RME é o programa Ela Segura que, em parceria com a Fundación MAPFRE, está executando um programa gratuito de desenvolvimento pessoal e capacitação técnica para mais de 50 mil mulheres em situação de vulnerabilidade social em todo o país.
O Ela Segura visa impactar profissionalmente mulheres que vivam ou tenham passado por situações como desemprego, fome, violência doméstica, entre outras adversidades sociais. O programa apoiará essas mulheres por meio de capacitações pessoais e técnicas – em plataforma de conteúdo digital – que as ajudem a desenvolver atuais ou novos negócios, a se reposicionar no mercado de trabalho ou conquistar outras formas de atividade remunerada. Ou seja, todo o conteúdo vai ajudar mulheres que querem empreender ou desejam se inserir no mercado de trabalho.
O programa também oferecerá dois tipos de apoio financeiro: um auxílio alimentação no valor mensal de R$ 110, durante seis meses, para mais de 2.500 mulheres selecionadas no programa. Também serão selecionados 160 negócios que receberão um aporte financeiro de R$ 3 mil e um acompanhamento técnico para o seu desenvolvimento.
O programa é aberto para mulheres de todos os locais do país, e o Impacta Nordeste está colaborando para levar essa oportunidade para mais mulheres do Nordeste. Podem participar mulheres que tenham mais de 16 anos e tenham intenção de iniciar um negócio ou que estejam buscando uma colocação no mercado de trabalho. As inscrições podem ser feitas no site https://elasegura.com.br/.
Você é ou conhece uma mulher empreendedora ou que queira se qualificar para o mercado de trabalho? Faça sua inscrição e compartilhe essa oportunidade com outras mulheres!
Publicado em: https://impactanordeste.com.br/empreendedorismo-feminino-no-nordeste-da-necessidade-ao-sonho/